terça-feira, 28 de março de 2017


A Arte Urbana Entre O Real E O Virtual: A Afetividade



Dia 27 de Março é o Dia Mundial do Grafitti.

Não por acaso, a data que faz uma homenagem ao precursor da arte de rua no Brasil, Alex Vallauri, foi escolhida para o lançamento do aplicativo “Arte Urbana Fortaleza”, que aconteceu no Cine São Luiz.

O evento contou com um live paiting (pintura ao vivo) com artistas convidados ao som do Cafuné Sound System (Dj Guga de Castro e Dj Denilson Albano), além de um vídeo-apresentação do aplicativo e o documentário “Festival Concreto”, com direção de Germano Sousa,  sobre os 3 anos de edição do Festival Internacional de Arte Urbana. Na ocasião estavam presentes o artista Narcélio Grud, a secretária da Cultura Suzete Nunes e outros artistas (Douga, Qroz, Syba, Érika Miranda e Solrac) que fazem a cena do grafitti em Fortaleza.


O Aplicativo “Arte Urbana Fortaleza”

O “Arte Urbana Fortaleza” é um aplicativo de “caráter intuitivo” e tem a proposta de “mapear” as obras espalhadas pela cidade além de também tornar possível a “doação”de muros para que artistas possam deixar seu trabalho. Através do aplicativo podemos fotografar as obras (contribuindo para a criação de uma espécie de catálogo das artes urbanas de Fortaleza), ver a lista de artistas, e ainda disponibilizar muros para que artistas interessados deixem suas marcas. Assim, o aplicativo funciona como um verdadeiro convite a um “tour” para conhecer as obras de arte urbana em Fortaleza, tornando as ruas da cidade uma galeria à céu aberto.

O app é uma realização do artista Narcélio Grud em parceria com a Prefeitura de Fortaleza, da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult-CE) e do Governo do Estado do Ceará.

A Arte Urbana Entre O “Real” E O “Virtual” É Uma Questão De Afeto

O “Arte Urbana Fortaleza” faz lembrar, com as devidas ressalvas, o jogo eletrônico de realidade aumentada “Pokémon GO”. Me explico: desde o lançamento de Pokémon GO já se iniciou uma discussão sobre a possibilidade que estas formas de dispositivo tem, em seu bojo, de estreitar a relação entre os usuários destas mídias e a cidade. O grande trunfo deste jogo, de um ponto de vista sociológico, é a necessidade de sair de casa e caminhar pela cidade para que seja possível jogar.

Desde Pokémon GO já se vê uma grande abertura para a arte urbana através da cultura digital (mais especificamente em aplicativos para smarthphones), uma vez que alguns “pokestops”(pontos no mapa em que os jogadores devem ir para encontrar itens necessários para continuar jogando) estão localizados em grandes obras urbanas, como muros grafitados. Assim, como que em um “efeito colateral”, tem-se que ao sair de casa “para jogar”, os usuários do aplicativo Pokémon Go encontram-se com a arte urbana de sua respectiva cidade.

Encontrar-se com a arte nas ruas também é o objetivo do app “Arte Urbana Fortaleza”, que serve como um guia para conhecer as obras expostas nas galerias-rua, esta “paisagem em constante deslocamento” (DIÓGENES, Glória, 2015), de tal forma que o aplicativo brinca com as categorias e posições do mundo das Belas-Artes, ao colocar o usuário do aplicativo como o “curador” da obra. Sobre cidades e mídias digitais, o antropólogo Mássimo Canevacci (2016) reflete:

Culturas digitais e metrópoles emergentes oferecem não só um suporte técnico, quanto o cenário comunicacional descentrável que determina fraturas sensoriais/racionais em relação ao analógico.

(...)

Neste corpo-performático, os direitos de “cidadania transitiva” se afirmam movimentando instituições públicas progressivas e iniciativas privadas, sensíveis pelas culturas conectivas, artes difundidas, arquiteturas inovadoras. Os panoramas metropolitanos viram tramas narrativas determinadas pelas montagens de experiências fragmentadas, caracterizadas pela espontaneidade performática de indivíduos, grupos, multidão temporária.

Outra discussão que a ideia por trás do aplicativo pode trazer à sociologia diz respeito à afetividade que é possível de tecer entre usuário do aplicativo, o artista urbano e a cidade, uma vez que o “afeto” é muito citado por aqueles que fazem e vivem o circuito da arte urbana. Caminhar pela cidade e percebê-la mais colorida, ser tomado de pensamentos e imaginação que eclodiram a partir de murais e grafittis espalhados na cidade, sentimentos e sensações – sejam de qual ordem for, “positivas” ou “negativas” - que foram ativados por uma outra forma de cidade (uma cidade de cores, de muros enfeitados) assim como o acesso à memórias – pessoais e/ou coletivas – por meio da intervenção urbana, são possíveis reações de quem se encontra com o grafitti nas ruas, bem como uma outra gama de sensações que perpassam o corpo do artista ao fazer sua arte nos muros urbanos.
Sobre a relação entre o mundo digital e a arte urbana, Canevacci nos mostra:

Simetricamente a comunicação digital expande um sujeito glocal que exprime autonomias criativas e horizontais desejos de expressividade: uma composição “política” de auto-representação, metrópole comunicacional e culturas digitais. (...) Tais cenários são compreensíveis nas conexões polifônicas, sincréticas, dissonantes entre cultura digital e metrópole comunicacional, que informam códigos, estilos, lógicas, identidades e até políticas bem além da simples tecnologia ou arquitetura. O sujeito que atravessa identidades temporárias, flutuantes, híbridas, incorpora o conceito de “multivíduo” ou sujeito diaspórico.

Arriscaria a dizer, assim, que a iniciativa “Arte Urbana Fortaleza” se apresenta como possível gerador de todo um arranjo de sentimentos que é capaz de desenvolver afeto – uma palavra tão simples e tão forte – entre o triângulo (amoroso?) Artista-Cidade-Citadino.




Links

Site do aplicativo "Arte Urbana Fortaleza"
FanPage do Festival Concreto
Vídeo do Lançamento do Aplicativo "Arte Urbana Fortaleza" por Rastros Urbanos


Referências

Canevacci, Massimo. « Metrópole comunicacional: arte pública, auto representação, sujeito transurbano », Revista de Ciências Sociais. vol. 47 (1)| 2016, consultado em 27 Março 2017. URL: http://www.periodicos.ufc.br/index.php/revcienso/article/view/5683/4078 ; ISSN: 2318-4620

Diógenes, Glória. « A arte urbana entre ambientes: “dobras” entre a cidade “material” e o ciberespaço », Etnográfica [Online], vol. 19 (3) | 2015, Online desde 27 Outubro 2015, consultado em 27 Março 2017. URL : http://etnografica.revues.org/4105 ; DOI : 10.4000/etnografica.4105


Amanda Andrade Lima
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará
Bolsista do Grupo de Estudo e Pesquisa Rastros Urbanos