sábado, 25 de janeiro de 2025

Registros de uma Exposição: As Linhas (In)ventadas da Memória

Entre os dias 16 de outubro e 16 de novembro de 2024 o nosso Grupo de Estudos, Pesquisa e Extenção, Rastros Urbanos, teve a alegria de oferendar "As linhas (In)ventadas da Memória", uma exposição feita por muitas mãos através de importantes e intensas trocas de saberes intermediado pelo Projeto Cidadania Ativa desenvolvido pelo Sesc de Fortaleza. O objetivo dessa ação é fomentar o exercicio da cidadania e a participação de líderes comunitários de Fortaleza e outros núcleos itinerantes, tornando-os dessa forma não apenas atores sociais ativos no processo de participação na construção de uma cidade mais democrática, mas sobretudo, guardiões das memórias dos seus lugares de existência. Entendendo a importância dessas pessoas, em sua maioria mulheres idosas, como arquivos vivos dos processos de transformação da cidade, montamos uma série de atividades que pudessem aprofudar não apenas a urgência dos seus trabalhos na preservação da memória, mas sobretudo, trazer a tona a importância das fabulações das comunidades na narração criativa desse projeto. Assim foram criados dois movimentos durante o ano de 2024, o primeiro consistia em um Grupo de Estudos que teve como foco unir a literatura e as ciências sociais de forma a ler os acontecimentos aquivados da vida trazidos pelos voluntários, na forma de fotografias, cartas, diários, bonecas, entre outros aconteceres. O segundo movimento consistiu na Oficina de Bordado em fotografia, onde por meio das linhas as comunidades poderam refabular na fotografia as ardencias peregrinas. A fermentação de todos esses movimentos culminou na elaboração da exposição "As linhas (in)ventadas da memória", que teve esse nome pensado a partir dos ensinamentos do escritor e poeta brasileiro, Manoel de Barros, que nos ensina que viver por si só é um ato de inventariar, criar, recriar, montar, desmontar, desde o chão da infância as paredes maturidade, todos os seres que juntos conosco habitam o teatro da nossa existência. A ideia do vento desvela o movimento dos nossos passos, os retalhos vividos da realidade na qual um dia fizemos parte. As linhas com a sua delicadeza e as agulhas com a sua decisão, nos trazem um recomeço do passado no presente, onde o futuro é semeado no ventre dessa relação (a)temporal das ventanias.
Fonte: Acervo Rastros Urbanos Por: Lucas Pinheiro Tenório Farias, graduando em Ciências Sociais (UFCE) e bolsista de Iniação Científica pela Pró-reitoria de Pós Graduação (PRPPG)

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Ode a Ponte

Tirei essa foto da grafia em meados do dia 18 de abril. Estava andarilhando mentalmente enquanto sentado com areia, aguardava o emancipar da noite pela voz das mulheres guardiãs do Poço da Draga. Fitei o mar, olhei para a imensidão de suas superfícies líquidas, mornas de calor humano, abraçadas pelas ondas que se formavam e explodiam em espumas musicais. Lá estava ela, linda, com as curvas do seu corpo metálico silhuetando a paisagem, mais imponente do que a vizinha Iracema que um dia desses desmaiou de cansada no calçadão das pegadas. Sua ruinosa beleza de linhas visíveis e invisíveis emaranhavam ao longo de seu véu aquoso os beijos, as declarações de amor dos casais amigos, dos (re)encontros ancestrais, da esperança pelo retorno daquela(e) que partiu para outro lugar, um alguém que só pode ser recuperado pelos fluídos e os ventos fortes. Fiquei enamorado por todos os movimentos que a sua presença despertava naquele lugar que nós partilhavamos. Você no palco, e claro, eu na plateia arenosa, junto a recordações pregressas, memórias devir. Velha ponte velha, tu és ainda menina aos olhos daqueles que de ti saltaram; daqueles que por meio de ti se alimentaram; daqueles que em ti tatuaram desenhos silênciosos que hoje reivindicam um lugar de fala no corpo arquitetônico de uma cidade plastificada; daqueles que sobre ti depositam a narração familiar; daqueles que sob ti se amam sem medo dos olhos dissimulados dos indiferentes. Mas tu vês, teus olhos de ressaca tem inquirido os poderes de uma cidade que vem desfalecendo aos poucos. Ponte, no dia 18, em seus quase 118, antes da ode das guardiãs, fiz para ti a minha ode em murmúrios do pensamento que hoje remonto para não me esquecer, para que ninguém esqueça da sua importância para todos nós.
Fonte imagem: Acervo Rastros Urbanos Texto escrito por: Lucas Pinheiro Tenório Farias, graduando em Ciências Sociais (UFC) e bolsista FUNCAP do Programa de Pós Graduação em Letras (UFC).

terça-feira, 23 de abril de 2024

Encantamentos no chão da Aldeia

Nós não damos a devida atenção às "coisas" de nosso mundo. Seguimos um caminho de passos solitários, pegadas que não comungam entre si, pegadas que exorcizam pela indiferença os mistérios que compõem a nossa sociedade, retirando dela todo o encantamento de sua formação. George Simmel já nos dizia "O segredo oferece, por assim dizer, a possibilidade que surja um segundo mundo junto ao mundo patente [...]. Nos últimos tempos venho tendo conversações com os restos da humanidade, com a sociedade do descarte, que faz do chão não somente a sua casa, mas o seu palimpsesto existencial, a folha em branco das suas biografias. Não diria que virei um arqueólogo pois não me contento em escovar ossos , não saberia juntar todos os pedaços dos cadáveres da civilização; tão pouco quero escovar palavras, pois não saberia como fazer delas um perfeito túmulo para repousar significâncias e significados. Eu quero escutar a voz silenciosa dos restos, quero tomar café com os rastros, escutar as suas lamurias, imaginar como tudo teria sido diferente antes dos seus traumas (corte) de abandono nas ruas da cidade. "De que pés teriam pertencidas aquele único par de chinelas deixadas na avenida?". "Quem haveria de ter morado naquela casa da esquina?" As fissuras das lacunas do mundo nas/das/em miudezas nos cortam mais do que vidros ao chão, pois podem infinitamente fazer regurgitar de nós um sangue invisível sem que os nossos corpos se desistegrem por completo. Aprendi a escutar as coisas, interroga-las, mas sem esperar delas repostas alguma. Não me amontoo com elas, caminho junto a traças, vidros, chinelos, papeis e ossos. Na vida quanto mais se cala mais se escuta. É construindo um silêncio de observador que os garimpos ocultos da memória começam a iluminar as terras sombreadas dos lugares por onde passamos e a nos oferecem a sua verdade, uma nova narrativa para entender a cartografia do abandono, da desigualdade e da indiferença. Um simples obelisco, tomado por lodo, pode não só conter as rachaduras de uma sociedade trincada, mas também, fazer de seus cortes uma esperança de dias que desvelem ou possam desvelar cicatrizes.
Fonte Imagens: Acervo fotográfico Lucas Pinheiro Texto Escrito por: Lucas Pinheiro Tenório Farias, graduando em Ciências Sociais (UFC) e bolsista FUNCAP do Programa de Pós Graduação em Letras (UFC)

sexta-feira, 15 de março de 2024

Uma Fortaleza de Ruínas

Uma Fortaleza de Ruínas Não Michel de Certeau, não era só Nova York que não sabia envelhecer, Fortaleza também não sabe, tão pouco tem aprendido que não se inventaria um futuro demolindo o passado, deixando-o ruir pela ação omissa de quem apenas observa a cidade do topo das suas varandas egocêntricas e cujo campo de visão tomba apenas para um horizonte limitado de azul, enquanto nas ruas as cores são muitas, os entrelaçamentos infinitos pelas mãos de quem torna realidade os desejos exóticos do “céu”. No dia 5 de Março de 2024, fomos impactados, mas não surpreendidos, com a notícia de que o poder público municipal decidiu (após anos de negligência) demolir o histórico Edifício São Pedro, primeiramente Iracema Plaza, inaugurado em 1951 e cuja moderna arquitetura que se assemelha a de um navio, convidou em diferentes épocas de maresias, ricos e pobres para as suas confortáveis e espaçosas cabines. Como o primeiro prédio com mais de três andares na Praia de Iracema era um refúgio das elites que buscavam uma fantasia luxuosa para experienciar. Entre os serviços oferecidos pelo Hotel, um restaurante de nome Panela atraia visitantes ilustres para provar suas comidas internacionais. Foi após a década de 1970 quando deixou de oferecer atividade hoteleira, apenas comerciais e residencial, que foi rebatizado para o que hoje conhecemos: Edifício São Pedro. Mas foi também nesse ano que a falta de investimento atingiu o imponente projeto, resultando nos anos 2000 no esvaziamento dos sonhos de uma “Fortaleza bela”, bem como em propostas de tombamento e “revitalização”. Em uma destas, uma enorme torre de 95 metros cresceria das entranhas do São Pedro e recuperaria toda imponência que o presente lhe havia roubado. Todavia, como qualquer grande nau que navega pelas líquidas águas da modernidade, o Iracema Plaza/ Edifício São Pedro foi ao encontro dos icebergs de blasé, tombou, os botes salvaram a vida dos tripulantes, mas não há bote para um barco naufragando. O prédio ainda deverá ser torturado antes de ir ao chão no prazo de 90 dias, isto é, deverá ser derrubado aos poucos. Mesmo assim, sob a terra da Luz os vestigios das muitas vidas nas ruínas do Edifício São Pedro farão crescer uma outra cidade, que deverá ser regurgitada sempre que a sua inflamação vier a tona, sempre que lembrarmos que o direito à memória é para todos inclusive para os edifícios, praças, pontes e chafarizes, pois eles são "coisas", portanto vivas, pujantes, coabitando e existindo conosco nos caminhos da vida humana e urbana. Mas não só isso, como rastro, também são, como diria Walter Benjamim, a aparição de uma proximidade, das nossas próprias proximidades. Para: Edifício São Pedro, sua memória Jamais será esquecida. : Texto escrito por: Lucas Pinheiro Tenório Farias, graduando em Ciências Sociais (UFC) e bolsista FUNCAP do Programa de Pós Graduação em Letras (UFC).
Fonte Imagens: Site do Governo do Estado do Ceará Documentário: Lastro - Memórias do Edifício São Pedro